segunda-feira, 2 de junho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA: A ESTRELA DE CINCO PONTAS(7)



(A ESCOLA PRIMÁRIA DA LAMEIRA DE SÃO PEDRO)

                

    Já falei aqui, em anteriores apontamentos, daquela que foi a minha escola primária –hoje diz-se “básica”-, na Lameira de São Pedro, que dista cerca de cinco quilómetros da minha aldeia de Barrô. Esta povoação era assim chamada pelas grandes jazidas de barro de grande qualidade e que deram origem a duas grandes fábricas de telha e tijolo, já extintas, no “Coito” – zona assim chamada, a norte da povoação, muito próximo de Vila Nova de Monsarros.
 Frequentei aquela escola de 1962 a 1966. Nessa época, já o escrevi anteriormente, as classes estavam divididas em duas salas distintas. A professora regente da masculina era a Dona Odete –já falecida-, senhora austera e muito respeitada, nesta altura, já entrada nos “entas”. A mestra da classe feminina era a dona Adélia, ainda viçosa na experiência com alunos –creio que, felizmente, actualmente, de muito boa saúde e a viver na Lameira de São Pedro
Até há pouco, pensei que este estabelecimento de ensino tinha sido mandado edificar por Salazar, e dentro do âmbito da política do ministério da instrução do Estado Novo (1933-1974). Mas não! Não foi Salazar que, certamente poderia estar preocupado com o grau de iliteracia do concelho da Mealhada, criou aquela majestática catedral de ensino. Então, se não foi o grande estadista, quem foi? Perguntará o leitor. Tenha paciência, primeiro vou contar a história que considero “sui generis”, invulgar, uma curiosidade. Posso adiantar-lhe que a “assinatura” do benemérito está na estrela de cinco pontas que se encontra no frontispício, por cima das quatro colunas neoclássicas, e atrás da bandeira nacional.
 O que considero uma lacuna grave é a escola não possuir nenhuma placa identificadora do seu fundador. Creio que não possui mesmo, mas se tem estará fora de vistas. Pelo menos eu, enquanto aluno e frequentador, nunca ouvi falar no grande benfeitor da instrução, cujo selo de identidade era…a estrela de cinco pontas deixada no frontão do edifício. Embora desconheça quantas, mas sei que há várias escolas distribuídas pelo país com esta sigla.
  Lembro-me que, no início dos anos de 1960, a pobreza na freguesia de Luso era uma maleita imensa, uma mancha negra que cobria quase todo o oceano geográfico das terras que se avistavam do cimo da Cruz Alta. Se hoje se fala em carência alimentar, comparativamente, é uma gota de água no bidão que apara as chuvas. Nesse tempo não havia Banco Alimentar contra a fome, nem esta sensibilidade humana para as questões sociais.
Por isso mesmo, por essa fome que alastrava, sentida por muitos e sem se ver, foi construída uma grande e moderna cantina para os alunos poderem se alimentar com pelo menos uma boa refeição, neste caso, o almoço. O grande benemerente e obreiro deste refeitório foi Alexandre de Almeida. Na época, proprietário dos hotéis, Palace do Bussaco e do Palace da Curia. Retenho na memória de, pelo menos uma vez, a escola ter sido visitada por este grande empresário hoteleiro e de todos os alunos estarem perfilados na cantina enquanto decorreu a visita do ilustre industrial de hotelaria. A este homem também se deveu o sacrifício repetido de ter de ingerir, à refeição, uma colher de óleo de fígado de bacalhau. Era de tão horrível sabor que só de pensar nisso se me revolvem as entranhas. Mas, julgava-se, era o que de melhor havia para criar imunidade às doenças.
  Continuando, porém, acerca da identidade da pessoa que esteve por detrás da construção do colégio de ensino público da Lameira, nunca ouvira nada. Pelo menos até há poucos meses.
Em conversa com o meu amigo Filipe Rebelo, juiz jubilado, homem de extensa cultura, perscrutador de silêncios de bibliotecas e estudioso do saber de alfarrábios de antanho, acerca do castelo de Barrô, atira-me ele, então, de supetão: “olhe que a escola da Lameira de São Pedro é da responsabilidade da mesma pessoa, ou seja, Francisco Grandella”. Mais tarde, a consubstanciar a informação, em sua casa, mostrou-me a primeira edição da “Cidade e os Campos”, ano um, em que realmente aquela publicação, da responsabilidade do lisbonense dono dos Grandes Armazéns do Chiado, referia, através de foto, que todas as escolas criadas através da generosidade daquele grande comerciante detêm a estrela de cinco pontas no frontão do edifício.
   Mais tarde, em conversa com a pessoa mais idosa de Barrô, e talvez da freguesia de Luso, a senhora Lucília Dias –que já ultrapassou o século de vida no dia 19 de Novembro de 2008-, dizia-me esta adorável centenária senhora, que este edifício foi mandado erigir pelo grande comerciante Lisboeta para, mais uma vez, agradar ao seu grande amor clandestino, a sua criada Aurora. Ao que parece, e segundo a dona Lucília, a eleita do coração de Grandella, que era de Barrô, tinha uma sobrinha que andava a estudar. Os planos do abastado homem de negócios e da “sua” Aurora para esta familiar seria que um dia, mais tarde, viesse a ser professora. Juntando o útil ao agradável, como quem diz, desenvolver o ensino numa freguesia de elevado índice de analfabetismo e, ao mesmo tempo, dando colocação profissional à sobrinha da sua amante, tendo em conta que o lugar a ela estaria destinado.
A escola construiu-se, mas, por ironia do destino, a “tal” sobrinha de Aurora nunca chegou a concluir o magistério primário.
  Ainda segundo informações avisadas de um conterrâneo e meu amigo, o Alcides Vital, residente no Bussaco, refere-me o livro “O Concelho da Mealhada”, de Adelino de Melo, editado em 1919, sobre a Instrução Pública, e cita uma passagem: “Além das estatísticas, faz parte do número das 16 escolas, uma mista, aberta na Lameira de São Pedro, freguesia de “Luzo”, em 1918, cujo edifício foi oferecido à Câmara Municipal deste concelho pelo industrial lisbonense Senhor Francisco Grandella, que tem à vista da escola, na povoação de Barrô, um elegante “chalet”. Insima-o a seguinte legenda: VII Escola –Fundada pelos Armazéns Grandella- sempre por bom  caminho a seguir. Emídio Navarro MCMXV”.
 Complementa, ainda, gentilmente, Alcides Rego, que Francisco Grandella era “maçon”, e daí a razão da estrela de 5 pontas no edifício. Foi um dos fundadores da Sociedade dos Makavenkos, que integrava outras personalidades maçónicas como Rafael Bordalo Pinheiro –a Maçonaria é uma sociedade discreta, ou secreta, cujo objectivo é que os seus membros sejam livres, de bons costumes, que pratiquem a filantropia e, acima de tudo, que incessantemente, enquanto seres humanos inacabados e imperfeitos, busquem a perfeição.
Segundo parece, nos começos do século XX, era praxe Grandella vir a “banhos” para as termas de Luso, águas abençoadas para várias terapias físicas e descanso mental. Então, para além do seu amor, subversivo e ilegítimo, ser natural de Barrô, também, adorava este recanto paradisíaco no sopé da serra, onde o encanto visual se confunde com o som de liras em tranças de águas a correr em cascata.
  Foi assim, segundo Lucília Dias, que, em honra de uma paixão, nasce o Castelo de Barrô e a seguir a escola primária da Lameira de São Pedro. Sob os auspícios do grande homem, megalómano, visionário e também preocupado com o grau de ensino do povo. 
Tudo indica que uma bela dama esteve por detrás destes gestos altruístas.

                                                               



                 


                                                               

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