sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

BAIXA DE COIMBRA: A TRAGÉDIA DA RUA VELHA

“Não há justiça sem cidadania. Não há cidadania sem justiça”, assim se refere o novo Bastonário dos Advogados, António Marinho e Pinto, na sua página pessoal de candidatura na Internet.
“(…) Os homens livres fazem-se na vida urbana, em que as cidades, pelo movimento de pessoas e de ideias, enraízam a necessidade de igualdade e de cidadania. (…) A coesão social é um dos maiores (problemas) e exige não apenas capacidade para oferecer níveis razoáveis de conforto e bem-estar a todos os cidadãos, mas também estímulos à própria identidade da população e ao desenvolvimento de legítimos sentimentos de pertença que ajudem a cimentar os laços da comunidade” –António Barreto, em palestra da comemoração do 6º aniversário de Rui Rio como presidente da Câmara Municipal do Porto, em 6 deste mês. Extracto retirado de um texto de José Eduardo Macedo, no Jornal Público de 9 de Janeiro.
Pegando no pensamento destas duas iminentes figuras da actualidade, reparamos na sua preocupação em apresentar a justiça como o vector máximo estruturante de uma comunidade socialmente coesa, em que as suas disfunções contribuem para as desigualdades, para a insegurança, e geram no cidadão, vítima de abandono, dessa (des)promoção da justiça, um sentimento de injustiça. Por um lado, fazem germinar uma frustração, que no limite leva a actos individuais de verdadeiro desespero, com consequências inimagináveis. Por outro, levam ao descrédito e à erosão relacional entre este mesmo cidadão e o poder político, que ao invés de resolver as suas pequenas/grandes dificuldades, prefere seguir um caminho autista, insensível ao apelo isolado, apregoando e escudando-se numa defesa colectivista. Na prática, raramente toma em atenção as necessidades do cidadão, individual/pessoa, como elo intrínseco desse mesmo colectivo. Em consequência, desta displicência, deste falso colectivismo, assistimos a um individualismo feroz, em que é cada um por si. Cada indivíduo, num compreensível egocentrismo gerado por uma iniquidade crescente, se defende a si próprio e apenas acredita em si mesmo e nas suas possibilidades, recorrendo à “acção directa” na defesa do que é seu.
Vem isto a propósito do que se passa na Baixa, na Rua Velha. Com um estabelecimento de hotelaria no fundo desta artéria de cerca de 50 metros de comprimento e três de largura, conhecido como a “tasquinha da Graça”, Esta pequena petisqueira foi literalmente entaipado há mais de dois anos, pela Câmara Municipal de Coimbra (CMC), com o propósito da construção de um abrigo para carenciados. Esta obra está parada por ordem do IPPAR, agora IGESPAR, pelo menos foi essa a explicação aventada pela CMC, senhoria da D. Graça e também proprietária de um imóvel contíguo. No inicio da obra, há cerca de dois anos, foi deixada apenas uma pequena nesga de cerca de 80 centímetros de acesso ao “ganha-pão” da Graça, em que apenas pode passar uma pessoa de cada vez, e que, pelo entaipamento, fica completamente escondido e desapercebido a quem circula na rua principal, a Rua Eduardo Coelho. Além da subsequente quebra de negócio, a D.Graça já foi assaltada 8 vezes em cinco meses. Sim repito, 8 vezes. Sete durante a noite e uma em pleno dia. Podemos até pensar que esta continuada má sorte desta desdita senhora até pode ser maldição da Rua Velha, tomando em conta a toponímia da rua. Mas não, este azar continuado é provocado pelo taipal, propriedade da CMC. Mas se assim é, pensará o leitor, provavelmente a autarquia não saberá, ou não tomou conhecimento, do prejuízo que está a causar a um seu cidadão. Pois desengane-se. A autarquia está farta de saber o que se passa e faz de conta que “no lo passa nada”. Além do Diário de Coimbra, ter noticiado ao longo de todo o ano transacto, várias vezes, o drama desta trabalhadora, um comerciante, seu vizinho, denunciou este acto discricionário e discriminatório da administração pública, em 8 de Outubro findo, em Reunião do Executivo Municipal. Além disso, referiu o estado psicológico em que se encontrava esta senhora. Perante mais uma provocação de um segundo empreiteiro, contratado pela CMC, em estreitar a passagem, a D. Graça pegou numa rebarbadora e, com ela ligada, ameaçou o encarregado da obra, e só assim ele parou. Depois deste alerta, uma vez que a obra continua adiada sine die, seria suposto que o Paço do Concelho, sendo abstractamente pessoa de bem, certamente, mandaria retirar o taipal e deixaria apenas a estrutura em ferro que assegura o mantimento da fachada. Nada disso. Limitou-se a colocar uma placa no inicio da rua a indicar o café da D. Graça. Se não fosse trágico, daria vontade de rir.
No dia 8 e 9, deste mês de Janeiro, mais uma vez o “Diário de Coimbra” e o “Correio da Manhã” noticiam em título: “Café da Baixa assaltado oito vezes em cinco meses”.
Quando lhe pergunto como se sente e como vão as suas forças, responde: “ vou ficar a dormir aqui. Quando “limpar” a vida a um ou dois, talvez então me dêem atenção”.

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