sexta-feira, 16 de novembro de 2007

"A EXCELÊNCIA E A DIFERENÇA"

“Após 25 anos a pregar no deserto, decidi, há um ano, abandonar definitivamente o ensino, porque me convenci de que era completamente impossível introduzir no sistema qualquer medida que fosse minimamente inteligente. Com efeito, o sistema só está preparado para adoptar medidas estúpidas e irracionais, as únicas que colhem o aplauso das nossas elites. É bom não esquecer, a título de exemplo, que a academia de futebol do Sporting só consegue excelentes resultados porque pode seleccionar os melhores praticantes a nível nacional. Se fosse obrigada a receber todos os praticantes do concelho de Alcochete e a aguentá-los lá até aos juniores, os resultados não seriam os mesmos. Obviamente. Por muito boas que sejam as instalações, por muito bons que sejam os treinadores, por muitos treinos que tenham, não se consegue fazer um Figo ou um Cristiano Ronaldo de um “perna-de-pau”. Sem matéria-prima não há resultados. O mesmo se passa nas nossas escolas.
Ora, quem é a favor da escolaridade obrigatória não pode ter um discurso do género “quem sabe passa, quem não sabe chumba” em que está subjacente uma ideia de exigência, excelência e de rigor que é a negação pura da escolaridade obrigatória, porque pressupõe a existência de objectivos para cada disciplina antecipadamente fixadas para cada ano de escolaridade.
As pessoas, em geral, e as nossas elites, em particular, confundem escolaridade obrigatória com a obrigação de ir à escola. São duas coisas completamente diferentes. A escolaridade obrigatória, ao contrário da obrigação de ir à escola, impõe que a escola se adapte ao tipo de alunos que recebe (…). Na escolaridade obrigatória, não pode haver objectivos antecipadamente fixados. Os objectivos têm de ser fixados tendo em conta cada aluno em concreto, consoante as suas capacidades, aptidões, nível de conhecimentos e ritmo de aprendizagem.
Ser exigente não é impor uma fasquia igual para todos os alunos. Não se pode exigir a um aluno aquilo que ele não pode dar. (…) Mas é precisamente isso que se faz nas escolas. E depois admiram-se de que haja abandono escolar. (…) Além disso, a colocação de fasquias de conhecimento por anos de escolaridade, com base no aluno médio, tem um efeito perverso, uma vez que elimina precocemente indivíduos cujas capacidades ainda não desabrocharam completamente. Com efeito, é totalmente falsa a ideia de que as qualidades e as capacidades dos alunos podem ser comparadas nas mesmas idades, ou seja, o facto de um aluno brilhante e outro da mesma idade ser um idiota não significa que aos 18 anos as posições não se possam inverter completamente. (…) Agora não se pode é atirar o desgraçado para um canto da sala, porque o professor não tem tempo para lhe dedicar, uma vez que só tem duas horas de aula por semana, tem um programa a cumprir e a maioria dos alunos da turma está numa fase muito mais adiantada. (…) No entanto, por aquilo que eu leio e ouço, a maioria dos professores e as nossas elites são contra a escolaridade obrigatória. Defendem, antes, uma escola onde todos devem ser obrigados a ir, mas onde só devem ficar aqueles que correspondam às expectativas do aluno médio tipo. Os restantes deverão reprovar tantas vezes quantas necessárias até se convencerem de que o seu lugar não é ali. Acontece que as reprovações acabam por provocar o efeito precisamente contrário ao pretendido.
Com efeito, as reprovações dos alunos com menos aptidões, para além de não resolverem o problema destes alunos (…), só servem para desestabilizar, por completo, a turma onde irão ser integrados no ano seguinte, tornando-a ainda mais heterogénea e qualitativamente pior. Com a agravante de os alunos reprovados, por serem mais velhos, acabarem por liderar a turma, com toda a carga negativa que isso tem (…). As reprovações na escolaridade obrigatória têm o mesmo efeito numa turma que as pedras num carrinho de mão: quanto maior for a carga de pedras, mais dificuldade tem o professor de andar com o carrinho.”

(Texto extraído, com a devida vénia ao seu autor, Santana-Maia Leonardo, inserido no Jornal Público na edição de 13 de Novembro de 2007)

Sem comentários: