quarta-feira, 29 de agosto de 2007

"DIVAGAÇÕES DE UMA MULHER"

“É 1 hora da manhã. Sinto-me abraçada pelo silêncio. Só ele me entende, só ele me conforta. Estou deitada, bem desperta. Nua de roupas e de preconceitos. Ou se calhar demasiadamente vestida, em pensamentos, com um julgamento desfavorável formado com alguma razão objectiva. Lá fora, de vez em quando, um gato mia ou ouve-se um rolar barulhento de um recipiente do lixo, talvez pontapeado por algum ébrio abandonado de amores e entregue displicentemente nos longos e tolerantes braços do prazer etílico.
No meu quarto, o silêncio é quase total, o que me permite uma profunda reflexão. A meu lado o meu companheiro dorme profundamente. A minha paz dos anjos só é interrompida, ora por um respirar mais profundo, em forma de silvo, do meu companheiro, ora por um estalido da madeira, vindo talvez da cómoda, imperceptível durante o dia, mas que a esta hora, em que tudo parece descansar dos afazeres da luz, se torna para mim tão notado e tão ribombático no ecoar das profundezas da noite.
Não tenho sono. Há pouco mais de uma hora o meu companheiro fez amor comigo. Foi comigo que ele fez amor? Ou seria com ele próprio? Porque será que os homens não conhecem as mulheres? Só olham para o nosso físico, sem nunca entrarem na alma? Dizia-me há dias uma amiga que tudo começa no nascimento. Logo aí, se é menino, o discurso é muito mais musculado. Mesmo depois, em bebé, se andar vestido de rosa, o paparicar da criança é totalmente diferente. Depois, na educação, sempre os conselhos castradores: “os meninos podem mexer nos órgãos sexuais, as meninas não. As meninas não devem fazer isto, é feio. Os rapazes devem ir às “meninas” quando chegarem à puberdade, as raparigas não devem deixar que lhes toquem na mão”. –pelo menos no meu tempo era assim, tenho 45 anos e estes conceitos estão bem marcados a fogo na minha mente, embora hoje se note uma ligeira diferença, a sexualidade continua a ser reprimida e muito diferenciada no género. As alterações são aparentes e apenas ligeiras.
Os homens, hoje, continuam a tratar uma mulher como há trinta anos atrás. Imaginam que nós somos enroladas pelos seus cordelinhos grossos de macho em vias de extinção. Pensam que sabem tudo e que têm sempre o comando das operações, quando, na verdade, nós fazemos apenas o que queremos, estritamente o que pensamos. Pobres almas sem tino! Continuam a não nos conhecerem. Olho para o lado e vejo o meu marido a dormir. São tão diferentes quando dormem. Parece tão estranhamente calmo e descontraído. Parece uma coisa inerte e sem vida. Como se tivesse perdido o seu encanto. São tão teimosos, os homens! É sempre preciso ir para cama com eles, como se a passagem por este lugar de grandes batalhas, em que se perdem e ganham guerras, tudo resolvesse. Estes pedantes, infelizmente tão necessários à nossa rotineira vida, chegam a ser aborrecidos. Assim que mirarem as nossas mamas e nos tocarem numa mão julgam-se obrigados a mostrar a sua virilidade, como se nós fôssemos bonecas de brincar ao sabor do seu desejo. Como se quisessem pôr o selo ou a bandeira na terra conquistada. Mas se ao menos a revitalizassem. O problema é que após a conquista fica para ali abandonada como eu.
O meu companheiro, após saciar a sua fome, quase que ia adormecendo em cima de mim, virou-se para o outro lado e adormeceu imediatamente. São tão insensíveis estes mastronços. Nem uma conversa após o acto. E mesmo durante o pouco tempo que durou, pouco se preocupou comigo. É certo que eu deveria ter a mente mais aberta, mas a verdade é que, apesar de eu ser extraordinariamente culta, eu falo sempre de sexo com preconceito. Tantas vezes dou por mim a pensar que se deveria tratar o tema, relativo ao sexo, como se falasse de política ou religião, mas a verdade é que depois, até com o meu companheiro, eu não consigo. Eu crio as minhas próprias barreiras de arame farpado. Sinto que se eu lhe confessar que gostava que ele explorasse o meu corpo do mesmo modo que se explora uma gruta virgem e inacessível, ele vai achar-me uma devassa e uma vulgar maluca. Parece que o meu desejo roda obsessivamente em círculo. Quero que ele explore o meu corpo. Às vezes chego a desejar que ele, como violador, me tome pela força. Mas, outras vezes, raramente, quando ele me incentiva a deixar-me tomar, dizendo que eu, ao não deixar, é que perco, é verdade, eu sei que deveria mudar, mas não consigo. Eu sei que é um conflito para mim. Mas que diabo, ele, se me conhecesse, deveria saber que nunca se deve acreditar naquilo que uma mulher parece defender aguerridamente: daquilo que parecemos querer e dizer não pensamos; só parecemos pensar naquilo que queremos sem o dar a notar, mas isso eles não entendem. É demasiada areia para uma caixa fechada tão minúscula.
Gosto de ser observada por um homem. Isso gosto. Qualquer mulher sabe do que falo. Qualquer uma conhece essa sensação confortante de ser despida pelos olhos, a chispar fogo, de um homem. E já são tão poucos aqueles que olham despretensiosamente. Tudo caminha para que até um simples piropo a uma mulher seja banido.
Bem…são 3 horas da manhã…vou mas é dormir…”

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