sexta-feira, 31 de agosto de 2007

"DIVAGAÇÕES DE UMA MULHER INFELIZ"

“Estou a dar os meus habituais passeios. Quando preciso de me ausentar da minha “chatérrima” vida venho para este paradisíaco jardim. Aqui parece que me transcendo, é como se o meu espírito abandonasse o meu corpo. Neste lugar, onde os anjos não se vêem mas sentem-se, através dos silêncios, ora entrecortados pelo correr da água na cascata, ora pelo chilrear dos passarinhos, faço uma catarse, uma purificação emocional, uma terapêutica psicanalítica, visando o desaparecimento dos meus fantasmas recalcados, ainda que não fale com ninguém. Mas com quem poderia falar? Quem me entenderia, a não serem os meus querubins invisíveis, que me acompanham e só eu vejo e sinto à minha volta?
Estou neste fantástico país europeu há cerca de 10 anos. Adoro esta Nação. Sou ali do centro de Portugal. Se fosse feliz adoraria acabar aqui os meus dias. Mas assim, neste fado angustiante que me acompanha, não sei o que me irá acontecer. Porque serei tão insegura e carregada de solidão e tristeza? Quase me rio sem vontade…uma bela mulher de 40 anos a lamentar-se…
Tudo começou na minha infância, quando comecei a sentir que os meus pais gostavam mais da minha irmã mais velha. Eu era como o patinho feio, triste e abandonado. A minha companheira e confidente de noite e dia era a minha boneca de trapos, a Esmeralda. Era com ela que dormia, bem agarradinha, até mesmo já na puberdade. Tantas vezes me lembro de me acariciar e, nos meus sonhos eróticos de menina, a imaginar uma mulher e fazer amor com ela.
Comecei cedo a brincar aos casamentos. Com 15 anos perdi a virgindade com aquele que aos 18 viria a ser meu marido, o João. Era meu vizinho lá na aldeia. Aproximamo-nos talvez pelos nossos problemas comuns. Ele também era preterido em relação à irmã mais velha. Além disso começou a trabalhar muito cedo, mal acabou a escola primária, hoje chamada de básica. Todo o dinheiro que ganhava ia inteirinho para casa. A mãe e a irmã eram umas senhorinhas, não queriam fazer nada. O pai, para azar, teve uma doença e foi obrigado a aposentar-se muito cedo. O João sentia-se a besta de carga mal-amada daquela casa. Mas, nunca entendi porquê, nunca admitia que eu aflorasse o quanto estava a ser usado e maltratado pelos pais. Parecia que nada disso o afectava. Era como se tivesse ido buscar forças não sei onde. Cedo notei que ele não era uma pessoa carinhosa. No princípio, durante muito tempo, desculpei-o, por causa da infância que ele teve. Se não recebeu amor como poderia ele dá-lo a alguém?
Logo depois de casarmos, tinha então eu 18 anos, fiquei grávida do meu filho. Ele foi a luz que veio substituir a falta de carinho e afecto que eu sentia da parte do meu marido. Enquanto o meu filho foi pequeno, foi nele que projectei a minha carência de afecto, tão marcada na minha mente, já desde os meus tempos de cachopita. Aos poucos fui notando que a infância é marcante mas também não explica tudo. Todos nós vamos apreendendo, em constante aperfeiçoamento, até à puberdade. Além disso, na nossa experiência empírica, quando temos vontade de melhorar podemos modificar-nos para melhor. Acontece que o meu marido não mudava, porque era profundamente egoísta, um egocêntrico no seu pior. Nunca deu nada a ninguém e muito menos a mim. -Hoje que tenho 40 anos e estou casada há 22, nunca me ofereceu um presente no natal, nem nos anos. Nem uma simples flor. Não é capaz desses gestos. Quando lho lembrava, a resposta era sempre a mesma: “queres, compra”.
Em 1997, depois de uma tentativa frustrada de separação, deixámos o meu filho com os meus pais e viemos para este maravilhoso país no centro da Europa. Continuei a ser, como hoje, a mesma mulher carente, insegura, perfeccionista e insatisfeita. Nada me contenta. É como uma obsessão a correr atrás de uma satisfação que sei antecipadamente que jamais será satisfeita. Posso esfarrapar-me para conseguir uma coisa, mas depois de a conseguir desinteresso-me dela. No campo sexual sou igual: sou uma predadora. Posso interessar-me pela presa enquanto não a conquisto e domino. Logo que sinta que é meu escravo, desprezo-o profundamente. Detesto a rotina.
Adoro sexo. Ás vezes penso se não serei uma ninfomaníaca. Tenho a certeza de que tudo vem da infância, a falta de amor que não recebi. Projecto essa carência no sexo. Masturbo-me todos os dias. O meu sonho é participar em orgias. Adorava estar com vários homens ao mesmo tempo. -Uma vez um amigo meu, ligado aquelas coisas do espiritismo, disse-me que eu seria uma reencarnação de uma cortesã.
Logo que viemos para este país, o João, meu marido, começou a ficar até altas horas na Internet, com as amigas, noite dentro; até 4 e 5 horas da manhã. Eu ia dormir. Até que me comecei a chatear.
Para me iludir, começou a falar-me em swing. Em princípio alinhei. Só mais tarde entendi que não era bem assim. Ele queria ludibriar-me. O que ele queria mesmo era estar com as amigas da net. Eu por arrasto, fui entrando neste mundo, tendo-me sentido cada vez mais só. Os diálogos virtuais eram a minha companhia diária, até que me fartei disto. Entediei-me de ter sempre o mesmo tipo de conversas: aqui 99% dos homens só sabem falar de sexo ou futebol. Agora, habitualmente estou off line. Gosto de falar de tudo, mas, fogo, falar sempre da mesma coisa, até para mim que adoro sexo, chateia. Estes homens só têm areia no cabeçote.
O meu marido é a mesma merda. No princípio, alinhei com ele, começámos a fazer sexo em frente à webcam. Até gostava, era para mim uma coisa nova. Ver do outro lado aqueles pobrezinhos mentais a babarem-se todos, como cadelas com cio, a masturbarem-se à minha frente. Era excitante. Com o tempo, comecei a sentir que ele só pensava no prazer dele. Exibia-me como um troféu de caça, como se fosse o meu dono. Para mostrar que eu era sua propriedade. Que era ele que me comia e eles, de língua de fora, só me podiam ver. Fazia gestos obscenos, mostrando as minhas mamas e proclamava: “querias? Contenta-te em ver”.
Ele só pensa no prazer dele. Dá-me nojo. Ele só pensa em mim como objecto de prazer e como propriedade sua. Ele não pensa em mim como pessoa. Estou farta dele e das suas atitudes. Acho que o odeio.
Agora passa a vida a masturbar-se na net. Embora não mostre a cara, há tempos uma gaja que o conhecia fodeu-o: gravou-o, fez a montagem do rosto e do corpo e mostrou-o na web. Ficou fora de si. Em vez de se culpar pelo descuido, ainda veio culpar-me a mim…fode-me o juízo. Depois proibiu-me de ligar a câmera que me poderiam fazer o mesmo. Mas se eu lhe desse “abébias” fazia sexo comigo em frente ao computador a toda a hora. O cabrão…
Há tempos fez-me uma proposta: que passássemos um fim de semana especial: ele iria com uma amiga, eu iria com quem quisesse. Assim fizemos: ele foi e eu fui com um meu amigo muito mais velho do que eu –porque eu gosto de homens maduros e muito mais velhos- que andava a namorar, aqui na net, já há uns tempos. Claro que a proposta que ele me fez veio mesmo a calhar, eu já matutava nisso há muito tempo. Simplesmente ele pensava que eu ia uma vez e que não queria mais. Acontece que quero mais. Caiu o Carmo e a Trindade. Como ele não quer repetir e eu ameaço sair de casa, usa esse episódio como meio de chantagem; se eu sair ele ameaça contar a toda a gente e até ao meu filho dirá que eu andei com um homem casado. Ele usa a coacção, magoa-me mais do que mil bofetadas. Agora chama-me puta constantemente. Há dias baptizou-me de puta-mor da net. Sinto-me uma prisioneira, enclausurada no seu castelo.
Quando estive com o Francisco –este meu amigo de fornicação de fim de semana- senti-me muito bem: feliz e realizada. Tenho a certeza que o sexo não é a coisa mais importante da minha vida, mas, uma coisa sei: faz-me sentir muito bem, faz-me sentir gente.
Se ficasse só, viveria com os meus gatos e o cão…mais ninguém. Talvez arranjasse alguém, mas com a liberdade de cada um ir com quem lhe apetecesse. Gostava que nos encontrássemos; termos umas conversas…mas jamais viver comigo.
Mas eu não sei se consigo largar este inferno algum dia. Teria de deixar muita coisa para trás: o meu filho, os meus dois gatos e o meu cão. Estes, são já velhotes e tenho pena de os deixar. Se não fossem eles, eu já teria ido há muito. Gosto tanto deles como do meu filho. Se eu partisse, o meu marido era capaz de os matar para me magoar.
Cada vez me sinto mais só. Um oceano de vazio e um mar de angústia.
Estou tão cansada que só me apetece desistir da vida…simplesmente desistir.
A minha decisão já está tomada.
É só dar tempo ao tempo. Ele se encarregará de decidir.
Estou farta de lutar contra tudo e contra todos. Ninguém me compreende.”

(HISTÓRIA VERÍDICA -ESCRITA COM BASE EM DEPOIMENTO DA PROTAGONISTA)

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