segunda-feira, 25 de junho de 2007

UM PEQUENO NACO DE AMOR

O homem teria cerca de trinta anos. Estava algemado. Vinha a sair do Tribunal de Família e Menores acompanhado com um guarda prisional. Cá fora um carro celular, de porta entreaberta e um outro agente, armado, esperava o detido. Entre a porta do Tribunal e a carrinha celular distariam cerca de cinco metros, mediados por um largo passeio, como se este espaço, simbolicamente, pudesse representar uma ponte de liberdade, entre o cárcere e o Tribunal. Este, metaforicamente, um Coliseu romano onde a sorte do prisioneiro é decidida, não pelo Imperador mas por um Juiz, onde o seu veredicto assenta na prudência, transcendendo-se, tentando atingir o equilíbrio entre o abstracto e o concreto e, nessa ponderação, sentenciará o futuro do homem. Sempre vigiado pela deusa da Justiça, de olhos vendados, simbolizando a imparcialidade e a igualdade de direitos. Coadjuvada, na mão direita , pela espada, representando a imposição da força –que o direito sem essa força impositiva não passaria de uma doutrina frouxa pouco mais do que moral. Na mão esquerda, uma balança, representando o equilíbrio e a equidade entre as partes em conflito e entre estas e a sociedade.
Sem que, aparentemente, nada o fizesse prever o homem detido, ao sair do Tribunal de menores, ao atravessar aquele espaço de fronteira entre a porta e o carro celular, dá de caras com uma mulher sexagenária com uma criança, de cerca de cinco anos pela mão. A criança, largando abruptamente a mão da avó, corre em direcção ao homem, abraçando-o comovidamente com a pureza de uma ternura só própria de uma criança de cinco anos. O guarda, hipnotizado pelo quadro cortante dos sentidos, ficou estático. Um homem, transeunte, apanhado de surpresa por aquela cena de fazer amolecer qualquer empedernido coração, parou a olhar fixamente aquele encontro. A mulher, mãe do detido, como maestrina de uma orquestra, foi a primeira a soltar um grito sentidamente dorido de choro compulsivo. Como se fosse possível combinar toda esta afinação de sentidos, as lágrimas soltaram-se de todos os rostos em catadupa. Os guardas, aparentando uma calma e um domínio que não sentiam, tentavam, a todo o custo, conter as lágrimas, mas estas, desobedientemente, rolavam nas suas faces. Ao apelo lancinante da criança, “papá…papá…”, as pessoas que iam a passar, como peças de xadrez descomandadas de um jogo cerebral e frio, desataram a chorar como se estivessem descompensadas de um domínio de sentimentos que deveria fazer parte da sua forma humana de ser. Todos eles, perante esta expressão genuína de amor, não resistiram ao choro compulsivo.
A muito custo, notava-se nos seus gestos, os guardas prisionais levaram o prisioneiro para a carrinha celular. Aqueles cinco metros, poderiam ser facilmente quinhentos, se fossem filmados em câmara lenta. O homem entrou dentro do carro, sempre a estender as mãos algemadas para a criança. Já com a porta do carro semicerrada, as mãos continuavam do lado de fora, como pedissem clemência ao mundo, e a criança, entre convulsões e gritos de dor, continuava,”papá… papá… volta aqui”, estendendo as suas pequeninas mãozinhas como se quisesse ir também com o seu progenitor, sofregamente, continuava a beijar aquelas mãos estendidas, como se lhe pedissem perdão de lhe dar apenas estas migalhas de amor.
Finalmente, os guardas arrancaram com o prisioneiro, deixando atrás de si um rasto de dor.

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