segunda-feira, 18 de junho de 2007

ESTA RUA NÃO É A MINHA







Eu não conheço esta rua.
É escura, não tem vida, não tem gente,
só tem sombras disfarçadas, nuvens carregadas.
noite de assombração, relâmpagos de cheia lua;


Eu quero a minha rua de outrora.
Onde o barulho e os encontrões eram reais,
o pregão e a obscenidade eram companheiros,
não quero este silêncio, dos vivos-mortos de agora;


Quero a felicidade perdida, os risos estridentes de então.
Quero ouvir o cauteleiro, de boné, a oferecer a taluda,
mais ao longe, quero um ceguinho com a sua lenga-lenga,
rogando uma moeda, lembrando o milagre da visão;


Quero ver um grupo a jogar à moeda , a pedir “três”.
“Quatro, seis, nove, doze”, a abrir a mão, tanto faz,
entre um copo e uma sardinha na tasca da Maria,
era o dia-a-dia, falando de futebol, trocando os bês pelos vês;


Quero a mercearia do Xico e o livro dos calotes.
Com o seu sorriso à porta, de lápis na orelha, de bata azul,
na prateleira, a pasta medicinal Couto, no balcão o bacalhau,
o açúcar ao quilo, o azeite a retalho, as azeitonas nos potes;


Quero voltar a ouvir o martelar e o brandir da chapa, pelo picheleiro.
O refrão da venda do peixe fresco, pela vendedeira da Figueira,
quero comer uma castanha, embrulhada em jornal, no S. Martinho,
o burburinho na cidade, o maldizer da velha e o seu ar trambiqueiro;


Ó rua do meu amor traz-me à memória tudo o que eu perdi,
diz-me onde errei, voltarei atrás para emendar,
solenemente te prometo rua que, de joelhos, pedirei perdão,
não me deixes nesta angústia, abraça-me, volta para mim.


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