sábado, 2 de junho de 2007

32ª POSSE ADMINISTRATIVA:PORQUÊ?

(IMAGEM DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)


 Quem não se lembra, até há muito pouco tempo, das peças noticiosas no Jornal da noite da TVI, acerca da degradação das habitações, em que era mostrado até à exaustão o estado decrépito dos locados? Com os forros do tectos em completa capitulação, os vidros partidos da janelas, as paredes amarelecidas pelas águas das chuvas que, teimosamente, não claudicam em penetrar na apatia paupérrima de quem mora num sítio assim, era o prato favorito da estação de televisão. 
Na parede, em relevo, como obra de arte, e seguindo à risca a tradição portuguesa, uma imagem de Cristo, personificando a tristeza e o desleixo, como a pedir desculpa de tais representações serem mostradas ao mundo. O repórter, como cicerone, vai mostrando as imagens dilaceradas pelo tempo e vai ouvindo os lamentos chorosos da arrendatária, complementadas com lágrimas de corrimento fácil, em que esta despeja toda a sua amargura e ódio contra o responsável de tal situação: o proprietário. Este, a criatura insensível que não responde aos apelos de reabilitação e, que no seu convicto entender, é obrigado a fazer. Nem por uma vez o entrevistador se lembra de perguntar à moradora o valor da renda paga mensalmente ao senhorio. Ora, perante tal omissão, facilmente concluímos que estamos perante um mau trabalho jornalístico, parcial e não isento, que se limita a aproveitar o choradinho, e o bater no desgraçadinho, e que, no facilitismo, vai ao encontro de um telespectador ansioso e carente por um melodrama composto de baba e ranho.
Vem esta introdução a propósito da notícia do Diário de Coimbra, publicada no dia 7 do corrente e da responsabilidade do jornalista José João Ribeiro, com o título: “Câmara vai na 32º posse administrativa”. 
Conforme o título indica, nesse texto é noticiado que a Câmara Municipal de Coimbra, fazendo-se substituir aos proprietários, eleva a 32 acções de posse administrativa (acto administrativo coercivo em que, pelo incumprimento ou omissão do dono do prédio ou legal representante, a autarquia, a expensas suas e depois apresentadas a pagamento, impondo executoriamente, se faz substituir ao proprietário nas obras estritamente necessárias, sempre que dessa degradação possa advir o perigo de ruína eminente e posteriormente se fará reembolsar integralmente em prestações mensais até ao valor de 70% das rendas a receber e durante o tempo necessário ). 
Segundo o referido artigo,”os proprietários do edifício, que não são de Coimbra, desistiram à última hora de realizar as obras, apesar de quase terem chegado a acordo com a autarquia (…)”. 
Ora, é aqui, na minha opinião, que o jornalista pode fazer um bom ou mau trabalho. Sabe-se que se se limitar a transcrever na íntegra apenas o que vê e ouve - sem interrogações introspectivas, sem a curiosidade investigatória inerente ao profissional de comunicação, olvidado dos princípios da transparência, da imparcialidade e da equidade, ouvindo as partes envolvidas- será apenas um mero instrumento de ressonância. 
Reparemos na desistência deste possuidor e a pergunta que inevitavelmente formulamos será: porque renunciou este proprietário ao anteriormente acordado e não efectivou as obras? Quanto recebia de rendas? Seria por incapacidade financeira? Sem respostas a estas interrogações, ressalta o bom desempenho da autarquia a jusante, isto é, remediando as consequências, apanhando os cacos, quando o que interessa, sobretudo, é a sua performance na prevenção a montante. Ou seja, tentar perceber o seu envolvimento directamente e o que fez pela possibilidade de a reabilitação urbana ter sido realizada pelo senhorio e, também, se criou condições ao proprietário para que este chame a si tal tarefa. 
Sem este pressuposto, sem o envolvimento directo da edilidade, nem daqui a um século teremos os centros históricos reabilitados
Objectivamente o jornalista deverá ser sempre acompanhado do “quem”, “como”, “porquê”, “quando”, e só tendo resposta a todas estas questões deverá dar por concluído o seu trabalho jornalístico, a bem da sua independência, a bem do seu jornal, e a bem de um público leitor que se pretende que seja cada vez mais esclarecido e exigente.

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