(IMAGEM DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Na parede, em relevo, como obra de arte, e seguindo à risca a tradição portuguesa, uma imagem de Cristo, personificando a tristeza e o desleixo, como a pedir desculpa de tais representações serem mostradas ao mundo. O repórter, como cicerone, vai mostrando as imagens dilaceradas pelo tempo e vai ouvindo os lamentos chorosos da arrendatária, complementadas com lágrimas de corrimento fácil, em que esta despeja toda a sua amargura e ódio contra o responsável de tal situação: o proprietário. Este, a criatura insensível que não responde aos apelos de reabilitação e, que no seu convicto entender, é obrigado a fazer. Nem por uma vez o entrevistador se lembra de perguntar à moradora o valor da renda paga mensalmente ao senhorio. Ora, perante tal omissão, facilmente concluímos que estamos perante um mau trabalho jornalístico, parcial e não isento, que se limita a aproveitar o choradinho, e o bater no desgraçadinho, e que, no facilitismo, vai ao encontro de um telespectador ansioso e carente por um melodrama composto de baba e ranho.
Vem esta introdução a propósito da notícia do Diário de Coimbra, publicada no dia 7 do corrente e da responsabilidade do jornalista José João Ribeiro, com o título: “Câmara vai na 32º posse administrativa”.
Conforme o título indica, nesse texto é noticiado que a Câmara Municipal de Coimbra, fazendo-se substituir aos proprietários, eleva a 32 acções de posse administrativa (acto administrativo coercivo em que, pelo incumprimento ou omissão do dono do prédio ou legal representante, a autarquia, a expensas suas e depois apresentadas a pagamento, impondo executoriamente, se faz substituir ao proprietário nas obras estritamente necessárias, sempre que dessa degradação possa advir o perigo de ruína eminente e posteriormente se fará reembolsar integralmente em prestações mensais até ao valor de 70% das rendas a receber e durante o tempo necessário ).
Segundo o referido artigo,”os proprietários do edifício, que não são de Coimbra, desistiram à última hora de realizar as obras, apesar de quase terem chegado a acordo com a autarquia (…)”.
Ora, é aqui, na minha opinião, que o jornalista pode fazer um bom ou mau trabalho. Sabe-se que se se limitar a transcrever na íntegra apenas o que vê e ouve - sem interrogações introspectivas, sem a curiosidade investigatória inerente ao profissional de comunicação, olvidado dos princípios da transparência, da imparcialidade e da equidade, ouvindo as partes envolvidas- será apenas um mero instrumento de ressonância.
Reparemos na desistência deste possuidor e a pergunta que inevitavelmente formulamos será: porque renunciou este proprietário ao anteriormente acordado e não efectivou as obras? Quanto recebia de rendas? Seria por incapacidade financeira? Sem respostas a estas interrogações, ressalta o bom desempenho da autarquia a jusante, isto é, remediando as consequências, apanhando os cacos, quando o que interessa, sobretudo, é a sua performance na prevenção a montante. Ou seja, tentar perceber o seu envolvimento directamente e o que fez pela possibilidade de a reabilitação urbana ter sido realizada pelo senhorio e, também, se criou condições ao proprietário para que este chame a si tal tarefa.
Sem este pressuposto, sem o envolvimento directo da edilidade, nem daqui a um século teremos os centros históricos reabilitados
Objectivamente o jornalista deverá ser sempre acompanhado do “quem”, “como”, “porquê”, “quando”, e só tendo resposta a todas estas questões deverá dar por concluído o seu trabalho jornalístico, a bem da sua independência, a bem do seu jornal, e a bem de um público leitor que se pretende que seja cada vez mais esclarecido e exigente.
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